quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Um anúncio de rádio que ia dando cabo de uma empresa

Um dos conceitos de que, actualmente, se ouve muito falar no meio do jornalismo e da comunicação é o dos "native ads". Basicamente trata-se de anúncios que... não parecem anúncios. Estão construídos de tal forma que se encaixam no restante conteúdo de um órgão de comunicação sem que, à primeira vista, o leitor, ouvinte ou telespectador perceba que se trata de um anúncio. Promovem uma marca, empresa ou produto sem que pareça estarem a promovê-lo.

Por isso, trata-se de um tipo de anúncio muito apetecível pelas empresas, que abrem os cordões à bolsa para conseguir que cada vez mais órgãos de comunicação social os produzam e difundam.
Recentemente foi notícia o facto do New York Times ter produzido o seu primeiro “native ad” para a edição impressa e de ter criado uma secção destinada a esta vertente da publicidade.

A implantação dos "native ads" está a provocar muita polémica. As empresas pretendem a sua disseminação, uma vez que a tradicional forma de promoção é cada vez mais irrelevante, por, na esmagadora maioria das vezes, ser ignorada pelos consumidores, tratando-se o investimento feito basicamente de dinheiro deitado à rua. As empresas de comunicação, mais mortas que vivas, olham para este modelo como uma forma de ganharem algum dinheiro, que tanta falta lhe faz.
Os críticos deste tipo de publicidade dizem, no entanto, que se trata de mais uma machadada na credibilidade jornalística, ao tornar mais difícil perceber o que é notícia ou publicidade ou propaganda.

Podcasts usam e abusam dos “native ads”

Já aqui me referi a um modelo de jornalismo que está em alta, pelo menos nos Estados Unidos, o podcast, que leva a rádio para a internet. Uma das razões pelas quais as empresas investem nos podcasts tem exactamente a ver com a publicidade que aí é feita, a qual encaixa perfeitamente no modelo "native ad". Os anúncios que se ouvem na maioria dos podcasts não diferem grandemente do resto do programa. É, normalmente, o mesmo locutor que lê as frases promocionais, em muitos casos, até há pequenas entrevistas ou conversas sobre a empresa, seguindo o mesmo registo do programa.

Por exemplo, Alex Bloomberg seguiu este sistema para facturar no "Startup Podcast", em que, na parte publicitária, fazia pequenas entrevistas telefónicas a responsáveis das empresas patrocinadoras. Numa delas, seguindo o enunciado princípio de fazer tudo da forma "mais honesta e transparente possível", até perguntou quanto é que lhe pagava pela publicidade. Eram 6 mil euros por podcast, ficaram todos os ouvintes a fazer.
A única indicação de que aquele era um espaço comercial era dada por um fundo musical diferente.

Um problema de comunicação

Quando colocou no ar o primeiro programa produzido pela sua empresa, manteve o mesmo sistema. O programa chama-se "Reply All", é sobre temáticas relacionadas com a internet e, num dos segmentos publicitários, um dos locutores falou com um jovem de 9 anos que já tinha o seu próprio site, feito através de um sistema disponibilizado pela empresa patrocinadora do programa.

Acontece que a funcionária que falou com mãe do miúdo para obter autorização se esqueceu a dizer que a entrevista era para entrar num espaço publicitário. Para além disso, ao falar-lhe do programa, disse-lhe que era produzido por Alex Bloomberg que trabalhara no "This American Life", um programa radiofónico de grande popularidade nos Estados Unidos.

A senhora percebeu, erradamente, que a entrevista era para passar no "This American Life" e anunciou isso a toda a gente. Quando percebeu que, afinal, as declarações foram convertidas em publicidade, sentiu-se enganada, no que foi seguida por todos os seus amigos e conhecidos que, nas redes sociais, arrasaram Alex Bloomberg e a sua equipa, uma situação que não é propriamente a ideal para uma empresa que está a dar os primeiros passos.

A história acabou por chegar ao BuzzFeed, que mandou um jornalista investigá-la. Caso tivesse avançado com a notícia, as suas consequências podiam ser catastróficas, possivelmente, fatais para a recém-criada empresa. Felizmente para a equipa, o BuzzFeed acabou por achar que o episódio não tinha interesse informativo, mas Alex Blumberg optou por assumir publicamente o erro. Levou a mãe do jovem ao 9º episódio do"Startup Podcast" e explicou o que se passou. 
Parece ter conseguido apagar o fogo e a polémica, mas já ninguém lhe tira o enorme susto que apanhou. Apesar disso, não tenciona desistir deste modelo de publicidade mas promete tomar medidas para que mais ninguém se possa sentir enganado.

Jorge Eusébio



Leia também neste blog: Este homem é craque a fazer programas de rádio e a pedir dinheiro aos seus ouvintes




INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR:
 -  O nome de Alex Blumberg consta num dos lugares de destaque da lista dos 25 melhores podcasts de sempre, acabada de publicar pelo site Slate. Um dos programas que produziu em 2008 para "This American Life", The Giant Pool of Money, ficou na 2ª posição.  

Sem comentários:

Enviar um comentário